RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR – nós podemos fazer isso!
A Associação Americana do Coração, também conhecida pela sigla AHA do nome em inglês, American Heart Association, decidiu dedicar o mês de outubro à divulgação mundial da Ressuscitação Cardiopulmonar, em português: RCP. O mês de outubro será dedicado à reflexão sobre o significado que a RCP tem na vida de cada um, inclusive daqueles que não são profissionais da saúde.
Inicialmente, é importante entender o que é RCP? São as técnicas de reconhecimento da parada cardiorrespiratória (PCR) e de manutenção das funções cardíacas e pulmonares com a intenção de evitar a morte cerebral enquanto se providencia o tratamento definitivo com choque de desfibrilação ou pela identificação profissional de uma causa reversível para a PCR. Para entender melhor um assunto tão complexo, é interessante compreender um pouco da evolução histórica do fenômeno. A palavra “ressuscitar” é antiga. Ela tem sua origem no Latim e é usada para descrever a ação de “recolocar em movimento” ou de “recolocar em pé”. Os relatos bíblicos usam a palavra ao descrever os milagres atribuídos à Jesus Cristo. A morte era reconhecida pela ausência de movimentos. Naturalmente, havia o risco de se enterrar pessoas vivas. A estratégia desenvolvida foi de amarrar uma corda presa a um gongo na mão do suposto defunto. Daí a expressão: “salvo pelo gongo”. Em algum momento da Idade Média, alguém se deu conta de procurar a presença de pulso pela palpação para evitar esse tipo erro. E assim ficou o reconhecimento da presença de pulso como evidência de vida até que, em 1960, Kouwenhoven e Knickerbocker publicaram no Journal of the American Medical Association (JAMA) a possibilidade ressuscitar uma pessoa mesmo na ausência de resposta, de respiração e de pulso.(1) Esse é um marco para humanidade: com as técnicas de RCP e de desfibrilação automática, pode-se – todos podem - reconhecer a PCR e ressuscitar a vítima.
A humanidade, desde 1960, dispõe dos recursos para ressuscitar uma pessoa em PCR. Entretanto, não basta a disponibilidade do recurso. Não basta que o recurso tenha sido publicado e descrito em uma revista científica reconhecida. O recurso precisa se transformar em ação e, para isso, é necessária uma estratégia. Justamente, a definição dessa estratégia depende do tamanho do problema. As estatísticas internacionais apontam uma incidência anual de PCR fora do hospital de aproximadamente 140 eventos para cada 100.000 habitantes.(2) Considerando a população da cidade de Porto Alegre em 1.500.000 habitantes, o número absoluto estimado é de 2.100 PCR fora do hospital por ano. Continuando o exercício, 1.100 receberiam atendimento pelo Serviço Médico de Emergência (SME) e, desses, 210 vítimas teriam um ritmo chocável pelo desfibrilador. Dizendo de uma forma mais objetiva: todos os anos em Porto Alegre, há 210 oportunidades de se ressuscitar uma vítima de PCR.
Não se sabe onde ocorrerão essas 210 PCR em Porto Alegre no próximo ano, mas, novamente, as estatísticas podem ser úteis. A maioria delas, mais de 80%, acontecerá dentro das residências, em ambiente familiar. Outras em locais com grande fluxo de pessoas, como em estádios de futebol, por exemplo. Esses números sugerem a necessidade de todos estarem preparados para avaliar a segurança da cena, reconhecer a não-responsividade da vítima, solicitar um desfibrilador e verificar se a vítima não respira e, no caso dos profissionais da saúde, definir a ausência de pulso. Uma vez detectada a PCR, todos precisam estar preparados para oferecer compressões torácicas efetivas e para operar um desfibrilador externo automático.(3)
Portanto sofrer uma PCR é um evento muito triste, mas antes de 1960 o único desfecho possível seria a morte. Por outro lado, atualmente, quem sofre uma PCR pode ser socorrido por alguém treinado em RCP, pode haver um desfibrilador automático disponível e o aparelho pode
detectar um ritmo chocável. Nesse cenário, há muitas chances de sobrevivência. A nossa responsabilidade – de todos nós, inclusive dos leigos em medicina - é estarmos preparados para atuar nesse cenário de forma rápida e efetiva.
1. Kouwenhoven WB, Jude JR, Knickerbocker GG. CLOSED-CHEST CARDIAC MASSAGE. JAMA. 1960;173(10):1064-7.
2. Tsao CW, Aday AW, Almarzooq ZI, Alonso A, Beaton AZ, Bittencourt MS, et al. Heart Disease and Stroke Statistics-2022 Update: A Report From the American Heart Association. Circulation. 2022;145(8):e153-e639.
3. Panchal AR, Bartos JA, Cabañas JG, Donnino MW, Drennan IR, Hirsch KG, et al. Part 3: Adult Basic and Advanced Life Support: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2020;142(16_suppl_2):S366-S468.