A morte súbita cardíaca é definida como a cessação da atividade mecânica cardíaca de forma inesperada ou se os sintomas iniciarem em até uma hora.(1) Na maioria das vezes é causada por um grave distúrbio elétrico do sistema de comando do coração consequente à obstrução aguda no fluxo sanguíneo em uma das artérias coronárias. Essa é a definição técnica, mas a morte é tão técnica; quanto é humana. A morte súbita pode ser uma chamada no celular. É um familiar ou um amigo querido, que deixa de conviver conosco sem aviso. Do nada. Um vazio que se tenta entender. Por vezes, o consolo vem com um abraço e uma frase: “pelo menos, ele não sofreu.” Mas nós sofremos.
A morte súbita cardíaca é um tipo específico de morte súbita. Muitas vezes, sem nenhuma manifestação anterior, a vítima parece estar sofrendo um desmaio ou uma convulsão. Essa situação dramática, naturalmente, acontece em qualquer lugar: na maioria das vezes é em casa, mas pode ser no trabalho, em um shopping center ou em uma festa. Por isso mesmo, todos nós, profissionais da saúde ou leigos em medicina, precisamos estar preparados para reconhecer e para iniciar os primeiros socorros. Para dar uma ideia do tamanho desse problema, a incidência anual de parada cardiorrespiratória (PCR) é de 90 eventos por ano para cada 100.000 habitantes.(2) Na capital Porto Alegre, são aproximadamente 1.400 paradas todos os anos. As chances de sobrevivência, ou seja, a probabilidade de ter alta do hospital com as funções neurológicas preservadas são de 9%, mas elas diminuem a metade naquelas vítimas que não receberam a ressuscitação cardiopulmonar (RCP) pelo leigo, aquele que testemunha o evento na maioria das vezes. A palavra “ressuscitar” significa recolocar em movimento, ou seja, trazer de volta à vida.(3) Por outro lado, algumas pessoas podem apresentar sintomas, que alertam para o risco. Esses sintomas costumam ser uma sensação de aperto ou de sufocação no meio do peito ou espalhada podendo incluir os ombros, acompanhada por náuseas, por tontura ou por suor frio. O leigo precisa estar preparado, também, para reconhecer essas manifestações premonitórias. Entretanto, sem dúvida, o mais importante é prevenir, ou seja, buscar uma vida saudável, com uma alimentação adequada, sem o fumo, com exercícios e com bons amigos.
A ideia da morte súbita, infelizmente, estende-se além da cardiologia. Os bebês, mais frequentemente os bebês entre dois e quatro meses, podem sofrer a Síndrome da Morte Súbita Infantil, também conhecida como a “morte no berço”. Os cientistas ainda não sabem explicar exatamente como um bebê saudável pode apresentar um desfecho tão triste como esse. Porém sabe-se que existem algumas formas de diminuir as chances dessa tragédia acontecer: colocar os bebês para dormir de costas (com a barriguinha para cima), usar um colchão firme e um lençol bem ajustado em um berço certificado pelo INMETRO. Bem como manter objetos macios, roupas de cama soltas e bichos de pelúcia fora do bercinho.
Eventualmente, também, uma pessoa com epilepsia pode sofrer uma complicação rara e devastadora: a Morte Súbita Inesperada na Epilepsia. A convulsão poderia induzir arritmias cardíacas ou obstruir as vias aéreas levando a falta de oxigênio. A causa não está bem definida, mas sabe-se que pode acontecer durante ou imediatamente após uma crise tônico-clônica, sendo que é mais provável quando as crises acontecem ao dormir e naqueles pacientes que não fazem o tratamento corretamente. Felizmente não é um evento comum, o risco estimado é de 1 em 1.000 pessoas com epilepsia por ano.
No Japão, ainda, está relatada a Síndrome de “Karoshi”, a Morte Súbita por Excesso de Trabalho. Longas horas de trabalho, altos níveis de estresse e pouco tempo para descanso são fatores implicados na etiologia desse tipo específico de morte súbita. Acredita-se que a cultura japonesa de colocar uma ênfase significativa na dedicação ao trabalho com horas extras, inclusive não remuneradas, a recusa em tirar folgas ou até mesmo de aproveitar os seus dias de férias remuneradas possa contribuir para um estado de fadiga crônica, privação de sono e desequilíbrio psíquico capazes de causar esse desfecho trágico.
O trauma também é importante. As mortes no trauma são sempre súbitas. O trauma é a principal causa de morte entre um e 44 anos de vida. São as causas externas de morbimortalidade. São muitas as situações de violência intencional e não intencional, que levam os jovens à morte, mas, entre elas, o trânsito é o campeão. Necessário entender que 90% das mortes por acidentes automobilísticos acontecem em países não industrializados, onde está o Brasil. Outra causa muito relevante de morte é o afogamento. Nesse caso, o Brasil, tanto pelo litoral com água salgada, como pela abundância fluvial, assume estatísticas muito tristes. Outro fator é o clima tropical e as dificuldades com educação. Muitas crianças morrem afogadas, porque as piscinas não têm cercas de proteção. Ou, pior, morrem afogadas presas pelos cabelos no sistema de sucção no fundo das piscinas. Por outro lado, em relação à violência intencional, o Brasil vive praticamente um cenário de “guerra endêmica” nas capitais. E, como se não bastasse, nos últimos anos, os atentados contra bebês, crianças e professoras em creches e escolas com armas de fogo ou com armas brancas tem aumentado de forma preocupante.
Pelo exposto acima, tem-se uma panorâmica do problema morte súbita. A morte súbita cardíaca é a principal, mas não é a única. Nós, profissionais da saúde do CTSEM, não podemos estar em todos os lugares onde esse evento trágico vai acontecer. Entretanto, não é por isso que vamos ficar de braços cruzados. Esse ano, estamos lançando a terceira edição do Congresso de Emergências e Urgências: o Emergency 2023, onde estaremos discutindo de forma profunda o tema Morte Súbita Cardíaca. E não estaremos limitados a esse tema. Convidamos o maior especialista em afogamentos do mundo, que é brasileiro, o Dr. David Szpilman. Mais do que isso, queremos convidar você para participar do congresso e dos nossos cursos: Primeiros Socorros, BLS e Heart Saver. Não cruze os braços, venha conosco, estamos caminhando na direção de um mundo em que ninguém mais vai morrer de morte súbita.
1. Braggion-Santos MF, Volpe GJ, Pazin-Filho A, Maciel BC, Marin-Neto JA, Schmidt A. Sudden cardiac death in Brazil: a community-based autopsy series (2006-2010). Arq Bras Cardiol. 2015;104(2):120-7.
2. Tsao CW, Aday AW, Almarzooq ZI, Alonso A, Beaton AZ, Bittencourt MS, et al. Heart Disease and Stroke Statistics-2022 Update: A Report From the American Heart Association. Circulation. 2022;145(8):e153-e639.
3. Guimarães HP, Lane JC, Flato UAP, Timerman A, Lopes RD. A história da ressuscitação cardiopulmonar no Brasil. Rev Soc Bras Clín Méd. 2009;7(4):238-44.