O celular chama. Você atende. “Boa tarde, Seu fulano, aqui é sicrano do hospital geral, preciso saber se o senhor está sentado.Infelizmente, tenho uma notícia ruim...” A morte súbita de um parente ou de um amigo é um evento inesperado. Estávamos todos bem. Levando a vida e, do nada, vem uma notícia dessas! O triste episódio do falecimento do nosso vereador, Mauro Zacher, traz a necessidade de refletirmos sobre o assunto.
A parada cardiorrespiratória (PCR) pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer hora. Em uma cidade como Porto Alegre, sabe-se que, no próximo ano, haverá 800 casos de PCR no ambiente extra-hospitalar. Desses, infelizmente, 600 não terão chances de sobreviver dada a gravidade da própria doença. Entretanto, 200 pessoas sofrerão uma PCR em Porto Alegre no ano que vem e elas tem chances de sobreviver. Essas pessoas terão uma chance maior de sobreviver – e de sobreviver sem sequelas – se forem socorridas no local do evento. Esse socorro, desde 1960, tem nome e sobrenome: Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP). E a RCP é muito simples. Todo cidadão pode aprender e todos nós temos o dever de ensinar. Basta reconhecer um adulto que pareça inconsciente, avaliar a segurança do local e chamar por ele em voz alta. Se a vítima não responder, essa é a oportunidade de ajudar: defina uma pessoa para acionar o Sistema Médico de Emergência e trazer um desfibrilador. A seguir, se a vítima não respirar normalmente, comece a comprimir forte e rápido bem no meio do peito a uma velocidade de 110 compressões por minuto. E é isso!
Desde 1960, com a publicação dos estudos de Kouwenhoven(1), a própria definição de morte mudou. Segundo o Houaiss, morte é a interrupção definitiva da vida. Em tempos bíblicos, a morte poderia ser definida pela ausência de movimentos. Naturalmente, pessoas eram enterradas vivas. Daí a expressão “salvo pelo gongo”. Foi uma estratégia, na época, para permitir que a pessoa pedisse socorro: amarravam uma corda na mão e a prendiam à baqueta de um disco metálico. Então, não se sabe exatamente quando, começou a técnica de palpar o pulso e reconhecer a morte a partir da sua ausência. A ausência de pulso palpável seguiu definindo a morte até que as técnicas de Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP) e o desfibrilador externo(2) fossem publicadas nos Estados Unidos. A ausência de pulso deixou de ser a interrupção definitiva da vida para ser tornar o sinal que os profissionais da saúde usam para reconhecer uma PCR. O final irreversível da vida humana passou a ser a morte cerebral. Ressuscitar é uma palavra de origem latina, que está relacionada com recolocar em movimento(3). Desde 1960, portanto, a humanidade sabe como ressuscitar; o desafio passou a ser educar. E nós sabemos bem o valor da educação!
O bom senso costuma atribuir os casos bem sucedidos à sorte. Os que trabalham com educação nessa área sabem que salvar uma vida com RCP vai muito além de sorte. Faz 60 anos que a humanidade se dedica arduamente ao trabalho de educar, de ensinar e, sobretudo, de treinar as pessoas para agirem de forma célere e competente nesses momentos de muita ansiedade.
No Rio Grande do Sul, historicamente, reconhecemos o valor da Educação. No CTSEM, educar é o nosso porquê. Nós educamos para salvar vidas. Treinamento continuado é o segredo para oferecer às pessoas a melhor chance de recuperação em situações tão graves. Não vamos parar de treinar, ninguém pode saber quando outra pessoa, um familiar ou nós mesmos poderemos precisar desse treinamento.
1.Kouwenhoven WB, Jude JR, Knickerbocker GG. Closed-chest cardiac massage. JAMA. 1960;173:1064-7.
2.Zoll PM, Linenthal AJ, Gibson W, Paul MH, Norman LR. Termination of Ventricular Fibrillation in Man by Externally Applied Electric Countershock. New England Journal of Medicine. 1956;254(16):727-32.
3.Guimarães HP, Lane JC, Flato UAP, Timerman A, Lopes RD. A história da ressuscitação cardiopulmonar no Brasil. Rev Soc Bras Clín Méd. 2009;7(4):238-44.